quinta-feira, agosto 31, 2006
Quando C. se preparou para partir para Groninigen deve ter pensado a certa altura que o destino não lhe sorria. Até pode ter pensado que estava frita, pronta a enrolar numa panqueca e a ser regada com melaço par ser mais facilmente engolida pelo bando de colegas que a esperava lá no Norte. Seguramente terá consultado o boletim meteorológico, terá comprimido os lábios em sinal de apreensão e terá lançado as malas no comboio, firme na sua determinação de levar avante aquela tarefa que se tinha comprometido a concluir.
"Queixume, lamúrias-"Gezeur", é o que não vai faltar, tenho de estar preparada, isto só vai durar 6 dias". É que C. é um deles e por isso conhece-os como ninguém. Intérpretes. Sim, gente curiosa. Freud teria visto neles um maná . Perfeccionistas, estetas, controladores, inicialmente reservados, cínicos, na melhor das hipóteses sarcásticos, ansiosos. Com percursos de vida sinuosos, labirínticos.Há em cada um deles um sem número de profissões escondidas, um sem número de conhecimentos inacabados, um sem número de viagens feitas e por fazer. Numa escala de 1-10 muitos teriam 10,5 na classificação de carácter "anal" ou simplesmente "control freak". Muitos, não todos. No topo os que vivem para as 10 línguas que falam fluetemente. Angustiados com a busca do "mot juste" (uns mais que outros, é bem certo), angustiados com a certeza de que nunca conhecerão todas as palavras, de todas as línguas que falam. Nem da primeira, daquela que consideram mais sua. Sim, nem dessa, a tarefa é inglória e raramente de mérito reconhecido.
Era portanto um grupo destes mamíferos que a esperava em Groningen no hotel Eden, ah!Eden, ironia do destino.
Mas não, tudo acabaria por correr à mil maravilhas. A surpresa era palpável. Estavam mansos. Ou melhor estavam "amansados" pelo Sol e descanso de quase 3 semanas de férias. Sim, o segredo era esse. Ficarei sempre na dúvida. Será que C. fez de propósito ou foi coincidência? Que fique de lição. "Refreshers" no Norte só depois de um Verão ao Sol. Ficam mansinhos.Quase docéis pensará o incauto, analfabeto na arte de lhes ler no olhar , quase neutro, os pensamentos ácidos que num relâmpago lhes dão um brilhozinho especial.
Em boa verdade devo confessar que o êxito do curso foi mérito de C. Organizada, informal,bem disposta, rigorosa e flexível consoante as situações, aquilo parece estar-lhe na massa do sangue. Preparou-nos um ramalhete de visitas para todos os gostos. Tivemos cultura, política, Direito, ambiente, Saúde, cannabis, arquitectura...houve de tudo um pouco.
E no entanto o início não tinha augurado nada de bom. Domingo, acabadinhos de chegar, com várias horas de viagem no pêlo, lá fomos a toque de caixa debaixo dum céu que desabava de tanta chuva, a correr para a Estação do burgo onde nos esperava uma guia. O Refresher começava ali e agora, íamos visitar a cidade a pé e nem o dilúvio nos deteria. Vi Groningen pela primeira vez encharcada até à medula. Com o desconforto duma criancinha que fez chichi nas calças e que não as pode despir.
Pelo percurso tivemos repasto repartido por três estabelecimentos muito característicos da vida Groninguense e holandesa em geral. Assim descobrimos a Sopa de Mostarda de Groningen, panquecas "à volonté" no barco/restaurante e chá quente no Het Feithuis, exemplo mais sofisticado de café-restaurante.Foi imersão total, desde o primeiro minuto, na culinária holandesa. Culinária holandesa é um neologismo meu,he,he estou a ser tão mázinha. Mas merecia morder a língua. A sopa de mostarda estava mesmo boa, substancial, é ideal para dias frios de chuva ou seja quase sempre...por lá. As panquecas despertam a criança que há em mim, são sempre boas embora nutricionalmente isso seja discutível. Que fique claro, na Holanda pode comer-se bem. Basta que se respeitem algumas condições:
1ª Ter cozinha e fazer as próprias refeições dado que os supermercados têm de tudo e bom; ou
2º Estar disposto a desembolsar regra geral 25€ ou mais, num restaurante armado aos cucos de onde se sai bem "comido" mas danado pois pagaram-se 40€ e eles nunca ouviram falar na etiqueta de bem servir;ou
3º Ir comer aos vários restaurantes de emigrantes ( os indonésios com as suas "Rijstafels" são os mais famosos).Viva a emigração!!!!
4º Apreciar os sabores ultrarepetitivos e ignorar os instestinos que já estão mais congestionados que o Ring de Bruxelas em hora de ponta.
Estou profundamente convicta que o clima e o relevo formam um povo. Eu sei, a ideia não é nova. Antes das religiões e correntes políticas ali estão os elementos essenciais a darem-nos forma, a moldarem-nos o carácter. É nesta óptica que se justificam os inúmeros cafés e restaurantes de ambiente cuidado e acolhedor que se encontram nos países mais chuvosos. As casas costumam ser também muito acolhedoras. Pudera, é debaixo de tecto que se passa 80% do tempo.
Na visita passámos ao lado de várias casas sem cortinados, de luz acesa, exibindo o seu conteúdo ao turista menos avisado. É sempre uma tentação dar uma espiadela. Há casas com decorações lindas, uma House&Gardens ao vivo e a côres.Há holandeses com um bom gosto a toda a prova. Conjugam o moderno com o antigo, um prazer para os olhos indiscretos dos estrangeiros que nós éramos.Tudo isto assim à mostra. Claro que é estranho! Ali em frente a toda a gente, então e a intimidade? Qual intimidade?! quem não deve, não teme! Ali está escarrapachada a prova de que não têm nada a esconder (haverá mais à frente um parágrafozinho sobre este lado calvinista). A minha amiga alemã, sublinho alemã ou seja mais insuspeita que eu, torce o nariz. Eu ainda tento um: "pois cada um é como cada qual, eles estão habituados e ninguém se põe a espreitar como nós." Incrédula, responde: aquilo é o controlo social, isso sim. Não se pode coçar uma parte mais íntima que fica logo tudo a saber. Aposto que fazem todos sexo no chão...para ninguém ver... Esta, claro está, é uma dedução cuja veracidade não conseguimos averiguar.
Mas a minha amiga era capaz de ter razão Mais tarde visitámos um pátio circundado de casinhas antigas, muito bem conservadas. Uma coisa que se vê muito também na Flandres. Nalguns casos são antigas casas de freiras que ali se recolhiam (Begijnhof/Béguinage), noutros são conjuntos de casas contruídos para acolher famílias pobres. Hoje em dia, com a falta de espaço naquele país, quem as apanha assim em pleno centro da cidade chama-lhes um figo. Um porto de paz no meio da urbe. Que sorte...ou talvez não. Enquanto por lá passámos saíram vários vizinhos a "dar fé" (expressão muito apropriada para o ar que eles tinham) do que se passava, quem éramos, etc...
A guia tinha aquela qualidade que aprecio muito nos holandeses e que se repetiu durante o curso: Sucinta, descontraída, uma pitada de humor aqui e ali. É engraçado como muitos deles estão à vontade ao falar em público. Devem habituar-se desde cedo a fazê-lo. A tomar a iniciativa. Vê-se claramente que há muito menos o medo bloqueante do pensamento alheio. Há também muito menos os respeito cego pelas hierarquias. E eu gosto disso neles.
Naquela noite cheguei ao hotel e tomei um duche de água quente. Enfim, de água quente era o que eu queria, a água estava morna para o frio. Áquela hora não aqueciam a água e como fomos todos tomar duches de água quente depois de cinco horas ao relento e encharcados a água quente foi um ar que lhe deu. Isso recorda-me a maldita fama que têm de serem sovinas. Isto e o seu apregoado moralismo vai valer um parágrafozinho noutro capítulo. Enrosquei-me na cama e dormi.
(To be continued...)
terça-feira, agosto 29, 2006
Mulher aranha "refrescada" e regada de molho holandês-As imagens I
Domingo, dia 20/08, dia de chegada a Groningen e de visita guiada à cidade, com passagem por cafés e restaurantes emblemáticos onde pudemos provar sopa de mostarda (especialidade da região) e panquecas (eu adoro!!).
Este é o primeiro post de uma série de post numerados de I a VII, com imagens dos 7 dias de "Refresher" de Neerlandês. Para ver os restantes postes basta rodar as páginas para baixo com o rato.