sexta-feira, setembro 19, 2008

Eu sou atlântica

É a conclusão a que chego. O mundo mediterrânico exerce sobre mim um enorme fascínio. Está tão próximo, é tão familiar e tão...outro.

Ainda estou em Sevilha.

As noites começaram a arrefecer ontem. Os dias estão respiráveis, apenas.

Estudar melhor a História de Espanha tem sido curioso. É como ver um rio que corre ao nosso lado. Já conhecia parte dessa história. Mas parte apenas. Os paralelismos são muitos com a nossa, tantos que quase nada tem de ser explicado de tão óbvio que é. No entanto, aquele rio ás vezes tem rápidos que o nosso não tem e vice-versa.

Ler os jornais, ver os telejornais falar com os andaluzes permite-me ir completando uma imagem desta região e do país.

Os andaluzes, não dormem. Ou dormem mal, são as palavras que ouvi. Não me admira, não sei quando se deitam. O ruído é uma constante em Sevilha. Lembra-me o sul da Itália. People are loud. E são excessivos. Isso encanta-me e cansa-me. É a falta de sono.

Já sabia que havia duas Espanhas. As famosas duas Espanhas, a progressista e a conservadora. E assim são, nítidamente diferentes .

A Espanha é o lado masculino da península. Mais assertiva, por vezes abrupta, mais egocêntrica e enérgica. O mundo é visto quase exclusivamente através da língua espanhola. A permeabilidade ao outro é diferente da que estou habituada.

Há complexos,claro. Que país não os tem? O Império que foram (onde já ouvi isto), a pobreza e fome da década de 40, uma necessidade de amor narcísico (ferido) revelam-se aqui e ali. E depois, a identidade múltipla, problemática, os clichés que rejeita mas que propaga em relação a outras regiões da própria Espanha. E a guerra civil ou seja, as duas Espanhas, voltamos à casa da partida.

Mas antes de tudo isto, que já é fruto de reflexões muito racionais, antes de tudo isto temos os sentidos e a sobrevivência.

O ruído, os horários, a vida social, o trato...as refeições. As refeições, a gastronomia. Entrar num idioma, numa cultura é mudar de software. Não vale a pena procurar repetir hábitos. E quanto mais depressa se percebe isso melhor. Não se come às mesmas horas , não se come da mesma forma, não nos deitamos às mesmas horas. Por isso, em vez das comparações, é melhor procurar o que há de melhor e ficar por aí. O azeite.Pode ser muito bom. O salmorejo, molho ou sopa semelhante ao gaspacho, é uma delícia, estou viciada. Lulas, polvo, bacalhau, presunto, ovos,legumes fritos, churros ao pequeno-almoço ao Domingo de manhã ( é que nem sei como sou capaz, mas sou).

A secura a perder de vista, lunar, suavizada apenas pela Oliveira, bendita seja. O ladrilho, as sacadas e as estátuas sem nome.

Uma televisão cheia de lixo cor-de-rosa que perpetua a fama que se autoatribuem de mexeriqueiros (o cotilleo, desporto nacional assim li no El País).

Para o fim deixo o melhor. A literatura e o cinema . Filmes como "Girasoles ciegos" que acaba de sair ou como "La lengua de las mariposas".

Perante tudo isto, sinto-me mais reservada, menos imponente, mais nostálgica , menos noctívaga, mais silenciosa, menos religiosa. São diferenças mínimas, de quem na essência nunca é tão diferente como é minha convicção em relação a qualquer povo. A estas sensações de diferença chamo ser mais atlântica. Perceba quem puder.